Páginas Paisagens Luso-Brasileiras em Movimento

Paisagens em prosa e verso

Cecília Meireles:

paisagens em prosa e verso
Ó inesperadas imagens que assinalam o nosso primeiro encontro com uma cidade; que são como estampas de um livro de viagens subitamente aberto; que se tornam inesquecíveis e, muitas vezes, são o anúncio e a síntese de quanto iremos ver em nossas andanças pelas ruas, em nossa aproximação de pessoas e objetos.
MEIRELES, Cecília, Crônicas de viagem 3, p. 267

Cecília Meireles, poeta, prosadora, educadora, observadora de grande sensibilidade, muito cedo se encanta com a leitura e a possibilidade de transpor para o papel as impressões que seu olhar atento recolhe das paisagens, das pessoas em movimento, das obras de arte que a própria natureza transforma em telas várias, como certos recortes das cidades, do céu e do mar. 

As viagens por mais de sessenta países, ao longo da vida, irão compor sua obra, em que o real e o imaginário se integram. Nesse percurso, Cecília tece a diversidade do que observa, mesclando suas lembranças com a vivência do presente, por meio de palavras e expressões que despertam a atenção do leitor para as cores, sons, formas arquitetônicas, espaços geográficos e históricos, na leitura do mundo.

Nestas Páginas em Movimento, você está convidado (a) a conhecer alguns textos de Cecília Meireles, fruto de suas viagens pelo Brasil e Portugal. Sob a forma de crônicas e poemas a autora nos apresenta paisagens em que associa imagens urbanas e da natureza a fragmentos dispersos na memória, suscitando no leitor impressões sobre os lugares por ela visitados.

Cecília se define como “muito pouco turista”, identificando-se mais como viajante – aquele que descobre “semelhanças e diferenças de linguagem […], procura raízes, descobre um mundo histórico, filosófico, religioso e poético em palavras aparentemente banais; entra em livrarias, em bibliotecas, […]” (“Roma, turistas e viajantes”).

Como viajante, a autora coloca em questão a interação entre o ser humano e a natureza, que nem sempre se dá de forma harmônica e respeitosa. Assim, em tom de crítica, por exemplo, Cecília Meireles lamenta a construção dos altos prédios que poluem a paisagem da cidade do Rio de Janeiro, dificultando a visão do céu e das nuvens, como podemos observar no seguinte trecho da crônica “Exercício nefelibata”:

O Rio começa a perder um dos maiores encantos que a terra oferece à existência humana: a contemplação das nuvens. À medida que sobem, os arranha-céus não deixam os céus apenas arranhados: deixam-nos verdadeiramente destruídos no que eles possuem de mais belo, – mais belo que o sol e a lua, que as estrelas e os planetas: as nuvens
MEIRELES, Cecília. Crônicas de viagem. Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1, p. 69.
Teatro Municipal cercado de arranha céus
Ainda com relação às paisagens urbanas, na crônica “Instantâneo de Pampulha”, Cecília Meireles nos conduz a Belo Horizonte, em Minas Gerais. Encontramos, na capital mineira, a Lagoa da Pampulha, com sua arquitetura moderna, projetada por Oscar Niemeyer, e o paisagismo de Burle Marx.
Em primeiro lugar, Pampulha é um bairro, que certamente será delicioso. A invenção do lago que artificialmente engastaram nesse cenário tranquilo satisfaz a saudade das águas, a quem alcança a cidade montanhosa, onde as nuvens repetem lições infatigáveis de orografia. Tanta dureza mineral contemplada na longa viagem é compensada ali pela brandura das ondas, pela sua transparência, pela sua doce flexibilidade, jovem e serena. Ali se esquecem a pedra e o metal, naquela fluidez translúcida só comparável à do próprio céu na sua constante metamorfose.
MEIRELES, Cecília. “Instantâneo de Pampulha”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1, p. 216
Na mesma crônica, a autora põe em evidência a Igreja de São Francisco, espelhada na plácida lagoa.
Igreja de São Francisco de Assis, à margem da Lagoa da Pampulha
No exterior dessa igreja, sobressaem os traços de Oscar Niemayer. No seu interior, somos tocados pela luminosidade que provém do alto, lembrando as catedrais antigas e seus vitrais atravessados pela luz celestial.

Quando, porém, se entra nessa igrejinha tão recatada, sem janelas, só com uma luz celeste que desce por um jogo de encaixes do telhado, vê-se que ela procura reunir, à comovente simplicidade exterior, aquela riqueza que tornou as catedrais antigas monumentos de esplêndida arte religiosa. Assim, suas modestas paredes serão revestidas de pau-cetim e bronze, o retábulo pintado por Portinari, e outras belezas aparecerão que tornem a choupana um escrínio delicado, como um relicário de se trazer pendurado ao pescoço em cordão de ouro.

Por outro lado, a igrejinha é uma mistura de lembranças antigas e atualidade bem nítidas. Ao lado do azulejo pintado com ternura medieval, a estrutura de cimento armado projeta sua torre, sua marquise, sua escada aérea, que nem a de Jacó […].

MEIRELES, Cecília. “Instantâneo de Pampulha”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1, p. 219-220.
Na crônica “Semana Santa em Ouro Preto”, visitamos a histórica cidade, com suas ladeiras sem fim, casas coloniais e sacadas, sobrados, igrejas setecentistas, ao som dos sinos das celebrações sacras, quando os lugares históricos fervilham com o movimento dos fiéis pelas ruas, em procissão:
Nesta época do ano, Ouro Preto reveste-se de uma glória única no Brasil: a celebração da Semana Santa, com os grandes atos litúrgicos nas igrejas e as suas procissões quase tão famosas como as de Sevilha e Oberammergau. O cenário da cidade, com suas ladeiras, suas casas antigas, suas fontes; a voz do riacho a passar pelas pedras; os lugares históricos, as lendas e tradições que ainda perduram – tudo concorre para tornar mais impressionantes as cenas e espetáculos religiosos que então se desenrolam. (“Semana Santa em Ouro Preto”)
MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. 19. ed. Rio de Janeiro:
Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, 1964, p. 92.
Vista parcial de Ouro Preto
Esse cenário desperta em Cecília uma reflexão, contida na mesma crônica (“Semana Santa em Ouro Preto”), sobre os contrastes entre os grandes e ruidosos centros urbanos e as cidades interioranas, em que o tempo parece cristalizado, e o silêncio se integra à paisagem:

Nas grandes cidades modernas, inquietas e hostis, não há essa pausa, esse silêncio tão favorável às vozes do Evangelho. A multidão apressada, torturada por problemas materiais inadiáveis, não dispõe do sossego de alma, nem mesmo de corpo, para parar, pensar, sentir.

Nas pequenas cidades, ao contrário, há um tempo disponível, que é a riqueza e a poesia dos simples e pobres. As velhinhas que vão encontrar Nossa Senhora levando-lhe lágrimas nos olhos; os rapazes e moças que desfilam nas procissões, subindo e descendo ladeiras sem fim […]. (“Semana Santa em Ouro Preto”)

MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. 19. ed. Rio de Janeiro:
Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, 1964, p. 92.

Em “Por amor a Ouro Preto”, a autora não deixa de enfatizar a importância dessa cidade, não somente por sua beleza e tradição religiosa, mas por ser “antes e acima de tudo, uma cidade tradicional, histórica e esteticamente enraizada na vida brasileira, o berço da nossa liberdade, o cenário em que mais completamente se esboçou a nossa independência”.

MEIRELES, Cecília. “Por amor a Ouro Preto”. Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, vol. 3, p. 287.

Da vasta obra poética de Cecília Meireles, selecionamos O Romanceiro da Inconfidência, que tem como temática a fundação da identidade brasileira. Para compor o Romanceiro, a poeta dedicou-se a pesquisar, em arquivos e bibliotecas, por mais de dez anos, a história do Século XVIII, o passado de Ouro Preto, o que lhe permitiu traduzir em versos os interiores das casas e igrejas, bem como fazer uma reflexão sobre a época. 

Desse livro, publicado em 1953, extraímos o poema Cenário, em que Cecília situa elementos concretos, tais como: montanha, igreja branca, cavalo, soleira, pátio, porta, vestido e fonte, conduzindo o leitor a identificar a paisagem de Vila Rica com sua geografia acidentada.

Cenário

Eis a estrada, eis a ponte, eis a montanha
sobre a qual se recorta a igreja branca.

Eis o cavalo pela verde encosta.
Eis a soleira, o pátio, e a mesma porta.

E a direção do olhar. E o espaço antigo
para a forma do gesto e do vestido.

E o lugar da esperança. E a fonte. E a sombra.
E a voz que já não fala, e se prolonga.

E eis a névoa que chega, envolve as ruas,
move a ilusão de tempos e figuras.

– A névoa que se adensa e vai formando
nublados reinos de saudade e pranto.
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Edição do centenário, 2. impressão. 2 vol. Organização: Antonio Carlos Secchin.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol. 1, 2001, p. 797.

Nesse poema, não é apenas o cenário marcado por substantivos que a poeta canta, mas o “antigo espaço”, posto à mostra através de impressões sensíveis como: um vestido, um gesto, a voz que se calou, e se prolonga em meio à névoa, à ilusão de tempos e figuras que ficaram em “nublados reinos de saudade e pranto”, conforme se lê no último verso.

Mas não apenas sobre as cidades se estende o olhar da viajante Cecília. Ela também nos transporta pelos campos do sul do Brasil, assinalando, por exemplo, no Rio Grande do Sul, a diversidade da paisagem, tanto a natural quanto a criada pelo homem no cultivo da terra. Não deixa também de observar a feição europeia que o colono imprime às terras brasileiras, favorecido pelo clima mais ameno dessa região.

É noite, quando se chega a Itararé.
Uma sombra chuvosa veio envolvendo pelo caminho os veludosos bosques de eucaliptos, os campos secos de milho, os vinhedos rasteiros, o algodão com flocos brancos ainda perdidos nos capulhos, o arrozal ondulando ao vento frio, a lenha parada ao longo da via férrea. (“Rumo: Sul (III)”)
MEIRELES, Cecília. “Rumo: Sul (III)”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1, p. 83
Campos completamente cultivados, ondulando até o horizonte, em suaves planos de paisagem européia. (“Rumo: Sul (V)”)
MEIRELES, Cecília. “Rumo: Sul (V)”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1, p. 89
Do outro lado do Atlântico, Cecília, com seu encantamento por Portugal, leva-nos a conhecer a Lisboa antiga, que, em sua magia, desperta com as cores azul e rosa, num belíssimo amanhecer à beira do rio Tejo. Na crônica “Evocação lírica de Lisboa” – em que a paisagem se mistura às lembranças da cronista -, o leitor é conduzido ao glorioso passado lusitano, com suas marcas indeléveis nos palácios, igrejas, conventos, ruas, praças, azulejos, jardins…
Ficas deslumbrado na névoa matinal, perdido entre os azulejos que começam a despertar, um a um, e são olhos de todas as cores mirando o céu e espelhando o dia […].
Ficas tão rico de antigamente, tão vencido por um amor de cancioneiro, por uma ternura conventual, dolorosa, – e ao mesmo tempo desejas sorrir, dançar, não pensar nada, ficar por essas praças, por esses jardins que são a imagem da vida e por onde andam crianças como pequenas flores soltas, com laços pelos cabelos, como felizes borboletas aprisionadas.
MEIRELES, Cecília. “Evocação lírica de Lisboa”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol. 1, 1998, p. 237
Cecília, na mesma crônica, convida o leitor a estender o olhar para o horizonte, em que o Tejo alcança o Atlântico. A visão desse cenário leva o leitor a imaginar as sucessivas partidas das terras lusitanas rumo ao novo mundo, para novos retornos, num movimento constante de ir e vir, como o das ondas do mar.
Tens vontade de estar em todas as varandas, de olhar a paisagem por todos os lados, de avistar os caminhos que desaparecem longe de ti. Que está para acontecer? A quem esperas? Tens vontade de ficar agarrado a esse caramujo de nácar, de percorrer sem descanso os seus recessos – e ao mesmo tempo sentes o rio – ah! O rio… – e tens vontade de partir, de descer pela onda azul que vai baixando, degrau por degrau, até a praça rumorosa do oceano. Vontade de partir para tornar a voltar… (“Evocação lírica de Lisboa”)
MEIRELES, Cecília. “Evocação lírica de Lisboa”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, vol. 1. p. 237-238.
Vista parcial de Lisboa
Através de detalhes, tais como um chafariz, um lampião, antigos portais, Cecília descreve Lisboa amorosamente, na crônica “Lisboa, em junho…”:
Eu gosto é dos chafarizes, dos lampiões, de certas perspectivas, de certas portas, de certas pedras. E do Tejo. O Tejo com seus barquinhos é uma coisa linda de olhar, seja de um lado, seja do outro, seja do céu, – quando se vêem as ondas desenhadas uma a uma, como trança desmanchada de sereia.
Vista parcial de LisboaMEIRELES, Cecília. “Lisboa, em junho…”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, vol. 3, p. 93.
Rio Tejo
Artista de sensibilidade ímpar, soube transformar suas crônicas de viagem em verdadeiros poemas em prosa, como no exemplo a seguir – “O passeio inatual”, em que o palácio de Queluz é apresentado com seus belos jardins, a escadaria dos Leões, as fontes d’água, a estatuária dos terraços, as tapeçarias e seus portões de ferro. Lá também se encontra a casa de chá, com seus famosos docinhos:

Quem gosta de mim, em Lisboa, leva-me à tardinha para Queluz, onde me encanta mirar os espelhos d’água do jardim, e os bosques, e os azulejos; onde me praz ter saudades de D. Maria I, tão infeliz, na sua vida, mas tão bonita na sua estátua. 

Certamente, eu prefiro estas sombras, estes caminhos verdes e úmidos, por onde me parece que crianças muito antigas brincam com pôneis e bolas; prefiro estas fachadas tão femininas, com suas flores e sua pintura rosada; mas a casa de chá, instalada nesta cozinha real, não é para desprezar; e estas iguarias douradas que nos esperam devem ser delícias de amêndoas ovos e açúcar, “sonhos em casa”, “pupelinos”, “bolos à Delfina”, “talmussas” e “meringas”- do livro de receitas encontrado na Feira da Ladra, e há cerca de cento e cinqüenta anos publicado por um dos chefes da cozinha de Suas Majestades Fidelíssimas.

MEIRELES, Cecília. “O passeio inatual”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, vol. 3, p. 101.
A cidade do Porto não tem, aos meus olhos, essas doçuras límpidas de Lisboa. Não é tanto uma aquarela, de suaves manchas nacaradas – mas uma gravura enérgica, no ímpeto de suas ladeiras, na dureza das suas pedras. Nem o Douro é, como o Tejo, rio de ninfas douradas, mas um caminho de água, poderoso e ativo, todo rastreado pela mastreação dos barcos e pelas sombras do trabalho humano.
MEIRELES, Cecília. “A casa e a estrela”. In Crônicas de viagem.
Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, vol. 2, p. 179.
Cidade do Porto

A poesia não só permeia as crônicas de viagem, mas sobretudo se condensa na obra poética de Cecília Meireles, pela qual foi reconhecida desde logo no Brasil e em Portugal. A singularidade de sua obra poética vai se manifestar no diálogo com o Modernismo, o Simbolismo e tradições anteriores, sem que se possa afirmar categoricamente a que movimento literário Cecília estaria filiada. A crítica literária por vezes a designa como neossimbolista, mas é preciso considerar que estamos diante de uma escritora singular, que se manteve atenta à multiplicidade de caminhos da literatura nas primeiras décadas do século XX, mas que soube atender aos apelos de sua arte. 

Na poesia ceciliana, o mar também é de importância fundamental. Além de sua presença constante, ele remete às raízes históricas, à ancestralidade da autora. Recordar o mar é, portanto, lembrar também os Açores. E falar do mar é lembrar a história de sua família. O seguinte verso, no poema Beira-Mar, expressa essa ideia: ser de areia, água, de ilha…

Beira-Mar

Sou moradora das areias,
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios…

Não têm velas e têm velas;
e o mar tem não tem sereias;
e eu navego e estou parada,
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha…
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.

Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar – e mais nada.
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Edição do centenário, 2. impressão. 2 vol. Organização: Antonio Carlos Secchin.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol. 1, 2001, p. 488-489.

Pelo olhar de Cecília Meireles, navegamos em meio às ondas do mar e pelos rios, visitamos lugares históricos para finalmente compreender que viajar com Cecília não é puramente sair em turismo, mas atravessar as fronteiras, não apenas as geográficas, mas as do tempo e do espaço, num mergulho nas profundezas da história e da memória. 

A presença das águas em seus textos ilustra a proximidade com o Oceano Atlântico, de onde partiam as grandes navegações. A identificação com Portugal, aliada à busca incansável de resgatar a sua história pessoal, fez com que Cecília se debruçasse sobre suas lembranças, movendo-se entre lugares e épocas distintas.

Cecília Meireles, inegavelmente, deixa como legado uma obra em que o antigo e o moderno convivem harmonicamente, criando uma atmosfera poética que transpõe a superficialidade das coisas. As paisagens cecilianas são desenhadas com subjetividade, reflexão e lirismo.

Berty Biron
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Como afirma Otto Maria Carpeaux, a poesia de Cecília Meireles é “intemporal”, uma vez que conjuga “o atual e o inatual”. Leia mais em CARPEAUX, Otto Maria. Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira. 2. ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/ Serviço de Documentação, 1955, p. 266.
Simbolismo – Movimento literário de origem francesa, dos fins do século XIX e início do século XX. Os simbolistas voltaram-se para seu mundo interior, valendo-se, para tanto, de metáforas que representam a pluralidade do eu poético. Como datas marcantes das manifestações precursoras do Simbolismo, assinalem-se 1857, quando Baudelaire (1821-1867) publicou As flores do mal, e 1866, ano em que surgiu a antologia Le Parnasse Contemporain, com a colaboração de parnasianos e simbolistas. Ainda em 1866, Verlaine (1844-1896) publicou Poèmes saturniens. Nomes emblemáticos do Simbolismo no Brasil foram Cruz e Sousa (Missal, livro de prosa, e Broquéis, livro de poesia, ambos de 1893) e Alphonsus de Guimaraens (Setenário das dores de Nossa Senhora e Câmara ardente, de 1899). (Veja mais em: Massaud Moisés. Dicionário de termos literários. 4 ed. São Paulo: Cultrix, 1985, p. 474-475).
Assim se expressa Mario de Andrade sobre o Modernismo: “Manifestado sobretudo pela arte, mas manchando também com violência os costumes sociais e políticos, o movimento Modernista foi o prenunciador, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito nacional. A Semana de Arte Moderna marca uma data, isso é inegável, mas o certo é que a pré-consciência primeiro, e em seguida a convicção de uma arte nova, de um espírito novo, desde pelo menos seis anos, viera se definindo no… sentimento de um grupinho de intelectuais paulistas”. (Veja mais em: ANDRADE, Mario de. Aspectos da literatura brasileira. 4. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Martins Editora; Instituto Nacional do Livro/MEC, 1972, p. 231-232). Seguem-se alguns dos nomes mais significativos do Movimento na literatura brasileira citados por Gilberto Mendonça Teles: Graça Aranha, Menotti Del Picchia, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto (Veja mais em TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 273).
O palácio de Queluz fica situado a cerca de 12 km de Lisboa. Foi D. Pedro III quem determinou uma grande obra no Palácio Real, que dessa forma tornou-se uma casa de veraneio da Família Real. Destaca-se pela leveza e sofisticação do gosto aristocrático.
Trata-se de D. Pedro III (1717-1786) e de D. Maria I (1734-1816).
O rio Tejo é louvado por muitos dos autores portugueses, entre eles Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Alberto Caeiro. Leia o poema:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aquêles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Tôda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

(PESSOA, Fernando. Seleção poética. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1972, p. 150-151.)
Cecília já havia lido sua “Evocação lírica de Lisboa” no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, em 1947, por ocasião das comemorações do VIII centenário da tomada de Lisboa aos mouros. O texto foi, mais tarde, publicado na revista Atlântico.
Como afirma Sanches Neto, trata-se de “uma reconstrução lírica e épica da identidade brasileira”, em que, para além do ideário político, Cecília Meireles nos fala da “fundação de uma nacionalidade intemporal”. Leia mais em: SANCHES NETO, Miguel. “Cecília Meireles e o tempo inteiriço”. In MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Organização de Antonio Carlos Secchin. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. L.
A Inconfidência Mineira, ocorrida em fins do século XVIII, em Vila Rica, atual Ouro Preto, é o fato histórico em que se baseia a obra, publicada em 1953. O termo Inconfidência tem sido utilizado para caracterizar os movimentos de contestação a Portugal ocorridos no Brasil em fins do século XVIII. Insere-se no contexto da crise do sistema colonial. Leia mais em VAINFAS, Ronaldo (Direção). Dicionário do Brasil Colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 301.
Orografia – “descrição das montanhas (fronteiras, altura etc.) por meio de instrumento técnico adequado”, conforme HOUAISS, A. Dicionário Houaiss. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1.399.
Situada em Belo Horizonte, a Lagoa da Pampulha representa a proposta de modernidade dos anos 1940, época em que foi prefeito da cidade Juscelino Kubitschek. À riqueza do complexo arquitetônico criado por Oscar Niemeyer somam-se a pintura de afrescos e azulejos por Cândido Portinari, as esculturas de Ceschiatti, Zomoiski e José Pedrosa, bem como o paisagismo de Roberto Burle Marx. A Lagoa da Pampulha, com dezoito quilômetros de extensão, compõe uma área de lazer que concentra diversas atividades esportivas e culturais.
Roberto Burle Marx (1909-1994) – paisagista, conhecido desde o final da década de 1930. O início dos anos 1940 marcou a integração do seu projeto paisagístico ao movimento da arquitetura moderna no Brasil e a notoriedade de seu trabalho no exterior. Entre suas obras mais conhecidas encontram-se: o calçadão da Avenida Atlântica; o jardim-terraço do Ministério da Educação e Saúde Pública (atual Palácio da Cultura, no Rio de Janeiro); os Jardins do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; o Aterro do Flamengo; o monumento aos Pracinhas, entre outros.
Oscar Niemayer (1907-12012) – arquiteto brasileiro de renome internacional. Projetou o conjunto arquitetônico da Pampulha entre 1940 e 1944. Em 1956, a convite do então presidente da República, Juscelino Kubitscheck, colaborou com o também renomado arquiteto Lucio Costa na construção de Brasília. Entre os projetos mais importantes assinados por Niemayer, destacam-se o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e a sede do jornal L’Humanité, em Saint-Denis, França, em 1987.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de viagem. Apresentação e planejamento editorial: Leodegário A. de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, vol. 2, p. 101.
Agradecemos ao artista plástico Gabriel AV as fotos de Covilhã.